14 de outubro de 2010

A bailarina que perdeu seu compasso


Veste as sapatilhas delicadamente o grande espetáculo aproxima-se. Se olha, com seus enormes olhos negros, no espelho. Sua imagem é radiante, um certo ar de glória e santidade toma conta da jovem bailarina. Devidamente vestida segue para o palco.
Para ela este local é sua casa, pois consegue desenvolver seus rodopios e suas piruetas como a perfeição do voo das borboletas... Seu ego descansa sobre a madeira preguiçosamente. Dança e encanta, com sua flutuante saia e com seu sorriso empolgante ela conquista cada coração presente e faz o grande e respeitável público entrar em uma onda de puro êxtase.
Acaba o sonho, a bailarina descalça as sapatilhas e volta a sua realidade, que não é tão doce e bela como seus rodopios.
A dona dos pequenos pés tão habilidosos não conquista um único coração... Um tal soldado que sempre está envolvido em outros braços. A bailarina está disposta a largar sua leveza e encarar a batalha, porém o soldado não vê o esforço da bailarina e ignora sua existência.
A bailarina chora e suas lágrimas molham o velho tapete da sala.O descaso do soldado a fere dia após dia e os grandes olhos negros tornam-se ainda maiores e com mais brilho, porém este escorre pelo seu rosto.
A jovem decide ir para o front de batalha, pois quer ver seu soldado todos os dias,sentir sua satisfação e ouvir suas palmas ao fim de cada pirueta.
Versos escritos e transmitidos na mais bela forma de dança, o amor traduzido através de seus movimentos delicados e precisos de seus pés parecem não tocar o inatingível coração do soldado.
O soldado já se deixou tocar pelo amor, porém cansou-se deste e deixou uma bailarina triste por aí. Mas é impossível não notar o grande apresso que recebe, mas este passa sua postura firme e restringe seus olhos, como é feito em estratégias de guerra, e não percebe a bailarina.
Os pés delicados não cansam de tentar, fazem seus movimentos graciosos e certos de maneira perfeita. As mãos oferecem rosas, doçuras e abraços mais isto para o soldado parece não ter valor.
Os grandes olhos o observam com ares de admiração... Acompanhavam cada ação, cada passo e desenhava em sua alma múltiplas cenas de perfeição, nas quais o soldado abandonava sua armas e juntaria-se a bailarina... Contudo as imagens sumiram como neblina.
O soldado elogia os rodopios da bailarina, às vezes importa-se com ela e assim seu coração enche-se de esperança, pois acredita que poderá levar consigo o coração e os beijos dele. Porém são meras suposições.
A bailarina acredita que está perto de seu grande objetivo, ter seu soldadinho para sempre, porém em certa manhã cinzenta ela andava despreocupadamente pensando no sorriso de seu soldadinho quando deparou-se com uma cena que fez seus sonhos virarem pesadelos, seus pequenos pés tão talentosos perderem o compasso. Ver o soldado envolvido em outros braços, recebendo outros lábios ao invés do seus, fizeram a bailarina não ter mais vontade de dar piruetas e encantar seu público.
Ela havia perdido as esperanças, perdeu a leveza , a delicadeza... Sua rosa interior murchou e em seu lugar foi colocada uma rocha.
Acabaram-se os rodopios, as piruetas e o sorriso não voltou mais ao seu rosto. O público abandonou o espetáculo e o palco antes sua casa, agora tornava-se um quarto escuro de onde ela fugia.
O soldado não se sabe onde se escondeu. Deve estar no fundo do peito, debaixo da rocha, e se algum dia a rocha fragmentar-se o soldado será lembrado com lágrimas... Mas dentro ou fora do peito, acima ou abaixo da rocha o soldado fez a jovem bailarina esquecer seus rodopios e piruetas, deixar temerosos seus pequenos pés... O soldado cumpriu seu papel na guerra, fez a bailarina perder seus versos a esperança e seu compasso.

Mari Pereira

Um comentário:

  1. >_<'
    Triste o poder do HOMEM.

    Como sempre, adoro TUDO o que você escreve!
    Muito muito Sucesso sempre... o que pra ti não é dificil!
    Pois talento você tem de sobra.
    Um grande beijo...

    e Obrigada pelo sabado

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